terça-feira, 20 de maio de 2014

Le Goff, feudos e as bolhas pós modernas



Disse Jacques Le Goff, em seu livro sobre a civilização ocidental medieval, que "aquilo que dominava a mentalidade e a sensilbilidade dos homens da Idade Média, aquilo que determinava o essencial das suas atitudes, era o seu sentimento de insegurança". 
Baseando-se nisso, pode-se explicar as construções de altos castelos murados, cidades fortificadas, feudos autossuficientes e ensimesmados, todos em sentimento unânime de medo a invasões de outros povos.
Sobre isso, pensei eu dentro de minhas limitações: somos, cidadãos do aclamado século vinte e um, um tanto medievais.
Vivemos em constante alerta; o medo e a insegurança nos move, nos faz murar casas, gradear as janelas, colocar alarmes escandalosos em nossos carros. Temos medo do assalto, da faca, da arma, das noites escuras em ruas vazias.

Porém, não para por aí. As inseguranças do pós moderno ultrapassam aquilo que tange a invasões de povos germânicos. Nós nos especializamos em murar nossas mentes, gradear as janelas de nossos corações. 
Nos tornamos autossuficientes em nossos feudos contemporâneos: as redes sociais que nos protegem do contato cara a cara, as panelinhas que nos afastam de quem é diferente, os discursos vazios e simplistas que excluem visões críticas e profundas sobre a realidade e possíveis mudanças de pensamento.
Gradeamos nossos sentimentos de humanidade com o arame do individualismo; viramos uma espécie de membrana plasmática ambulante que filtra e deixa entrar apenas aquilo que lhe é útil no momento. Como exemplos, temos: bancos nos ônibus reservados para idosos que são usados sem remorso por jovens que pensam apenas na vontade de suas pernas, motoristas de carros que utilizam da faixa de ônibus pensando apenas na sua vontade de trafegar mais rapidamente, empresários que não aplicam integralmente as leis trabalhistas afim de garantir um lucro ligeiramente maior, entre outros tantos exemplos.

Vivemos em estágio de bolha. Girando pelos ares, alheios ao redor, num mundo particular.
Pois eis a novidade: se vivemos em sociedade, vivemos em conjunto. Como damos as mãos se nós prendemos entre arames farpados?
Que as bolhas cumpram sua função: estourar. Que aprendamos com a história: não vivemos hoje em feudos físicos pelo grande e bom motivo deles não funcionarem. Por que então construir tantos feudos interiores?