segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

- o muro é forte

A realidade me machuca demais.
Não vivo nela. Sou de lugar distante, lugar de família, pão nosso de cada dia e amor que não é distante, em que se toca.
A realidade é sonho ruim, no lugar em que vivo. Minha prisão de felicidade me tornou alheia ao mundo das coisas tangíveis. Por isso sofro.
Sofro por ver. Apenas ver, sem tocar. Não posso tocá-la, quissá mudá-la. Esse muro de necessidades satisfeitas, livros e cafés quentes não me deixa tocá-la.
Cresci um pouco, pude ver o outro lado. Gosto amargo na boca, cheiro desagradável, tão diferente de minha suavidade habitual... Subi uns degraus, desconfortavelmente, sentei em cima do muro. “Oh Deus, por que tanto desespero; não ouves os clamores agoniados agonizantes?”, pensei e repensei. Mas só pensei.
Não pude dizer uma sequer palavra, nem uma lágrima ousou rolar. Decidir entre a felicidade habitual ou a realidade factual é decidir entre duas prisões. E permaneci em cima do muro.
A realidade me machuca demais. Pois não vivo nela, mas posso vê-la em cada pé descalço. Ela é sonho ruim em meu mundo, esse meu lugar distante.
Ando sonhando muito.
Dizem que viver em cima do muro é fraqueza, “em cima do muro não é de bom tom”. Mas, aprisionar-se em mundo doce de cortinas fechadas ao caótico do outro lado é assim de tão bom tom?

Talvez eu seja realmente fraca. Mas o muro é forte.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Navegar

Engraçada a primeira vez em que se olha nos olhos. Naquela tarde ensolarada, vi nos teus um oceano disposto a me afogar.
Ah, Oceano... Tu querias que eu nadasse, nadasse e nadasse; mas nada se pode fazer se sou mulher de terra firme. Não poderia eu me afogar em teus beijos se já tremo na imensidão de teus olhos suplicantes. Não posso, não posso respirar.
Uma vez apenas vi teus olhos. Tu já eras inteiro meu quando me permiti almejar ser marinheira. Dizem por aí que navegar é preciso, mas não posso, na rocha eu me firmo... Ah, Homem de ondas, entendas que, em teu mundo, eu só sei ancorar.
Pegaste em minhas mãos e me chamaste para nadar... Querias que fosse sereia e imaginavas meu canto; querias-me por inteiro. Mas, saibas, marinheiro, que sou pedaços de nota, não canto tua melodia.
Engraçada a primeira vez em que te olhei nos olhos. Tu me inundaste sem que pudesse te alertar: sou mulher de terra firme, não posso navegar.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

- Hoje, vivi.

Hoje acordei. 
Acordei e quis escrever poesia sobre amores que dão certo. Sobre flores e seus perfumes doces. Quis fazer aquela crônica alegre que enriqueceria o dia de quem lesse.
Tudo isso porque acordei.
Levantei de meu habitual desprezo por coisas que remetem a frios na barriga e esperas por mensagens no meio do dia. Fui à janela, senti a brisa quente desse calor que abraça e desejei mais abraços.
Hoje acordei.
Lavei o rosto e quis escrever sobre aqueles olhos penetrantes de uma terça-feira. E sobre como penetraram ao fundo de meu baú empoeirado de sentimentos resguardados por medo e sua mágica de abri-lo com estranha facilidade de chave-fechadura.
Acordei de um sonho ruim em que sonhar era proibido e vi uma realidade em que se pode viver um sonho bom de dedos entrelaçados em caminhadas pelo parque.
Coloquei o café na xícara e pensei que era livre, enfim, para aquele vestido magenta que marcava na cintura. 
Penteei o cabelo, ouvi aquele jazz dos anos 60 e sai pra viver.
Hoje eu acordei e pude ver vida.
Hoje, vivi. 

sábado, 11 de janeiro de 2014

- Constatação do fim.



Infindáveis noites essas sem o toque de tuas pernas;
Infindáveis questionamentos à Noite de coração de mulher                                                                                               [amargurada.

Quem sou eu sem teus braços a circundarem meu corpo?
Quem sou eu sob a falta de teus olhos infantis a me fitarem?
Quem sou se, o que era, fazia você de engrenagem;
se tirava de teu sorriso de marfim o combustível à sobrevivência?
Quem, se ao te conhecer, desconheci o viver individual,
e fiz do teu ar a razão de respirar o meu?

Sou pedaços de estrela que ao cair é beleza e desgraça,
que conhece em seu auge o início da derrota,
que tem em seu esplendor a certeza do fim.

Sou restos de um adeus mal dito;
Maldito dia em que as rosas murcharam,
os rios secaram,
e trouxeram o meu amor desidratado.

Quem sou eu ao espaçar-me na cama vazia?
Quem, se o que era foi-se com teu partir;
Ao teu partir de mim e de ti mesmo?

Infindáveis são os dias em que não mais se contam as horas,
Infindáveis momentos que já não ficam na memória;
Infindáveis sorrisos que não são nada além do que são,
assim como a aurora que chega e não te leva mais embora,
pois foi a Noite em seu ápice de sentir que levou-te para ser nada                                                                               [menos do que nada.


Escrito em um belo dia de inverno. Lua cheia. Agosto.
Ao som mental de “Vai”, Ana Carolina.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Onde já se viu canarinho que não voa?



Casas de pau;
pau comendo solto.
Pés sem chinelo;
chinelos perdidos nas avenidas desesperadas.

Lágrimas de crocodilo
levam homens ao poder,
que nas cadeias de suas casas
levam homens a morrer.

Morrer de inanição,
morrer de munição;
Quantos não se foram em um piscar de olhos?
Quantos não se foram sem nem sonhos ilusórios?

Ilusão é pensar
que há futuro no agora
que não seja dependente
de um povo sem memória.

Memória de um passado negro e conturbado;
Memória de uma tribo de tradições desmoronadas;
Memórias de um povo secundário em sua história,
pois não sabe,
não vê,
não lê,
não é.

Não sabe da força do Zumbi quilombola;
não vê o sangue que jorra nas favelas;
não lê pois seu alfabeto é o trabalho sem demora,
não é o que é pois nem ao menos se conhece.

Conhece o berimbau, mas quer mesmo o de fora:
plantation,
play station;
ora pois, c’est fantastique!

O tic-tac dos tempos muda estações,
mas a dignidade do povo continua em gestação.

Um passo de cada vez
contra maré, contra mané;
Armado de martelo, enxada e união,
quem há de segurar o clamor dessa nação?

                                                 5 de setembro/13

- a perdição ao encontro

Em cada janela aberta, em cada olhar ao céu, em cada sentir do sol, encontro-me. Encontro-me ao cheirar flores, ao beber de alheios as dores, ao sonhar de olhos abertos a imensidão azul do horizonte.
Até te encontrar.
Cansei do encontrar-me. Queria me perder em teus braços. Queria, nas profundezas de teus olhos castanhos, entrar e viver para nunca regressar. Em teus lábios macios de beijar molhado, esconder-me como criança levada. Apenas queria perder-me. Perder-me ao teu encontro.
Ao sentir a essência das flores levada pelo vento que entra pela janela, encontro meu sossegar. Mas, não o quero. Quero o agoniar do não passar das horas quando espero por teu encontro ao fim da tarde... Quero o anseio que se transforma em arrepios ao imaginar teus braços a me segurarem, a me abraçarem como se um precipício estivesse diante de nossos pés.
Ao servir de consolo meus ombros a alheios, quero servir a ti; quero que tua alegria estampe em meu sorriso, que teu pesar esteja em minhas lágrimas... Quero tua cabeça em meu colo abrigar, afagar teus cabelos, fitar teus olhos infantis como se estes solucionassem todas as intempéries que há no viver.
Cansei do encontrar-me. Pois, afinal, que seria do amor se não o infinito perder-se no outro, e assim, encontrar o combustível a levantar em cada novo amanhecer?

Tu és meu infinito labirinto.

- E se soubesses?


Ah menino, se soubesses...

Se soubesses cada quadro que pinto com as esperanças em tinta da cor de teus beijos...
mesmo que só pensar em ti seja miragem no deserto, ilusão que não sacia minha sede.

Ah, se soubesses cada fala que transformo no som de tua voz,
talvez entenderias o porquê de tantos poemas que falam de coração
e a semelhança de teus olhos com os de meu Romeu de eternos contos sem fim.

Se ao menos soubesses de cada olhar meu retirante a pradarias de outro continente,
compreenderias que prefiro o calor dos trópicos ao frio que me remetes das altas latitudes
e o carnaval de sentimentos daquele infindável mês de junho.

Ah menino, se soubesses,
Deixarias de lado esse teu jeito discreto
e me dirias enfim o que faço pra ser tua?

- daqui não vejo os pesares

Daqui não vejo os pesares.

A luta do trabalho pesado, a luta por espaço, a luta pela vida.
Luta de camadas, luta de classes - ou talvez de salas com cadeiras vazias nas escolas... Daqui não vejo.

Vejo o luar, que ilumina a árvore seca.

Seria o mesmo de ver uma idéia a iluminar uma mente sem vida? Uma vida sem alma de luta? Ou, quem sabe, uma alma sem luta de vida?

O luar ilumina minhas idéias de alma a borbulhar, cheia de vontade de lutar; sangue corre em minhas veias e traz mais do que vida de corpo maciço de pele-ossos-estereótipos.

Daqui, não vejo os pesares daqueles que sofrem do corpo, daqueles que padecem na carne.
Daqui vejo-sinto-sou os pesares das almas sôfregas como árvores secas à procura do luar. À procura de vida.