quinta-feira, 31 de julho de 2014

- apenas areia

Como em um piscar, não quis mais ouvir a canção que entoava felicidade.
Retornou àquele poema de Drummond que dizia sobre flores amarelas e medrosas. Sentia-se como uma.
Não mais via graça nas desculpas por ela usadas. Via nelas apenas uma criança amedrontada pelo vislumbre de ser adulta. Cansou-se de se justificar com cansaço, trabalho, estudo, falta de tempo... “quem dita o tempo, afinal?’’, perguntava-se.
Fazia ela mesma seu tempo. Tempo para pensar em amor, tempo para pensar na falta dele. Tempo para estudar, tempo para justificar aos outros a falta dele. Tempo para si, tempo para pensar na falta de si mesma em si. No final das contas, era inteira pensamentos e sabia que não se pode construir casas sobre dunas. Não se pode ser só em mundo metafísico.
Percebeu que pensamento era areia e cansou-se de deserto. Resolveu achar em oásis suas respostas... não mais pensou em quebras-cabeça sociais, labirintos políticos, agonias religiosas. Transportou-se ao mundo físico de caminhadas sob árvores de folhas secas a cair, paixões esporádicas, cafés quentes e sanduíches nas madrugadas. E se viu feliz ao entoar novamente aquela canção que dizia de felicidade.

Certo dia, porém, a lua talvez tenha brilhado de jeito diferente, as marés não tenham andado de acordo com as estrelas, ou até mesmo seu horóscopo possa ter ditado palavras de mudança nos ares... ou talvez tenha sido mesmo aquele seu eu esmagado que resolvera se espreguiçar.
A verdade é que, como num estalar, desanimou-se das caminhadas sob as arvores de folhas secas: Não faziam sentido. Via em si vendas interiores que tampavam seus olhos críticos. Via em seu coração muita hipocrisia, discurso cabide de imagem favorável ao mundo de vitrines em forma de gente. Cansou-se dos oásis. Mas a peregrinação era cansativa, desgastante... O suplício por água era por raras vezes correspondido.
O que permanecia era a constante indagação “o que vale a pena?” e aqueles pra quês e porquês jamais respondidos.
Ainda não tinha respostas.
Tinha em seu bolso as palavras de Drummond sobre o peso do mundo e em sua mente a certeza de ter apenas duas mãos...
Apenas areia em suas mãos.

domingo, 6 de julho de 2014

- olhos metafísicos

Olhos não mentem.
Mentem os sorrisos repletos de dentes,
as pernas entrelaçadas,
as roupas ali jogadas;
mas não mentem os olhos.

Olhos não mentem.
Mentem os apertos de mão demorados,
os abraços de supostos enamorados
as palavras por beijo interrompidas;
mas os olhos não mentem.

O empírico pertence à pele, ao arrepio.
Ao metafísico o tocar não alcança,
não se pode vê-lo pelos olhos dos dedos.

Às janelas da alma cabe os segredos dos sorrisos incompletos,
as mãos dadas e os acenos distantes,
os beijos não dados e os abraços des-esperados.

Os olhos não mentem.
Mas presenteiam com verdade aqueles que a desejam
para, assim,
poderem mentir.